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sexta-feira, novembro 10, 2006

 
Folga

Meses depois de trabalho intenso de segunda a segunda, resolvo passar parte do primeiro dia de folga absoluta nos últimos tempos na agência bancária onde tenho conta. Motivo: desbloquear o meu cartão do banco pela terceira vez em cinco meses por causa da caixa do mercado ao lado de casa.

Para cumprir a tarefa, trajeto pela avenida que entrecorta a minha infância. A escola de inglês, aonde chegava com vergonha em uma Brasília azul piscina, já faliu. A padaria onde roubei cinco balas e voltei mais tarde para comprar mais e devolver o excedente virou estacionamento de academia. O batateiro do andar de baixo do nosso prédio deu lugar a uma loja de rodas.

Como já batia o meio-dia, me lembrei que no caminho estavam as três referências gastronômicas da minha pivetice, os únicos restaurantes cuja existência eu conhecia até passar dos 10 anos (poderia ser pior, só descobri o cinema aos 15). Saborosamente escolhi caminhar diante dos três antes de chegar ao banco.

O primeiro era o Bar do Lopes. Moquifo anos 50, mistura da decadência do Riviera com o churrasco do Sujinho. Engordurado, São Jorge na parede, encravado há décadas no coração do irrelevante bairro do Jardim da Saúde.

Dezenas de vezes fui até lá para resgatar meu tio, completamente bêbado. Ou para comer sanduíches, tomar refrigerantes e abusar dos parcos recursos dele, caso ele estivesse apenas semi-completamente bêbado. Sem saudade.

Duzentos metros adiante, ficava o "Da Sogra", uma cantina onde só pisei duas vezes na vida. Ambas no aniversário da minha avó paterna, que pagou a conta nas duas vezes em que fomos. Na última, ela ficou com vergonha porque eu preferi pagar pelos refrigerantes. O dinheiro era ela quem tinha dado.

Ela, apesar de ter ido pelo nhoque, comeu macarrão com sorriso até a orelha porque queria pagar menos. A presença dos netos também ajudava. Eu tinha uns 15 anos, bastante paciência e era o queridinho dela. Tanto que uma vez a cada dois meses, em média, tinha direito a pizza. As minhas irmãs, não.

Já ao lado do banco, estava o "Brasa de Ouro". Nunca pisei ali para tomar mais do que um refrigerante no balcão. O restaurante mais caro dali custava um preço que hoje consigo pagar com certa tranquilidade.

Na época, sentia inveja de uma vizinha que almoçava ali quase todo o dia porque a escola era perto. O pai dela era dono de boate. Hoje ela é lésbica e mora com a ex-namorada do empresário que a levou para o programa do Raul Gil.

Passo diante daquilo, com o cheiro da lenha do "Brasa de Ouro" no meu nariz, e decido que vou me vingar pelos anos de abstinência depois de sair do banco. Vou almoçar ali e pedir sem nem olhar o preço. Só que o banco discorda. Cinco dias pra receber um novo cartão. Dinheiro já contado. Vai ficar pra outra.

Caminho ao lado do "Brasa de Ouro" e do "Da Sogra", que só aceitam dinheiro. Filhos da puta. Sou bem recebido no "Bar do Lopes" e almoço em meio a uma discussão sobre futebol com o garçom e um peão que lá é chamado apenas de Bahia. Pelo menos ali eu posso pagar sem problema. Com tiquete refeição.

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