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sexta-feira, julho 30, 2004

 
Deus e os dentes

Se Deus realmente existisse e fosse infalível, nunca teria concebido algo tão mal pensado como os dentes. Escovar, passar fio dental, cuidar de cáries, colocar e tirar aparelho... quanto trabalho estúpido. Seria muito melhor se em vez de dentes as pessoas tivessem unhas na boca. Era só cortar e pronto. Sem traumas.

Mas não. Estamos aí pagando para os dentistas viverem em seus palácios acarpetados. Esses sádicos sem escrúpulos, que se aproveitam nas falhas da natureza para cobrar mais de um salário mínimo por um serviço que lhes toma menos de vinte minutos. Ainda mais desonrado é esse dinheiro quando é extorquido de rapazes honestos, que trabalham até 12 horas por dia.

Por isso, assumo: sou sim um anti-dentita. E apenas porque os mortais ainda dependem um tanto desses seres, não prego sua reclusão em campi de concentração. Mas ainda há de chegar o triunfal dia em que uma placa bacteriana valerá tanto quanto um artigo de linhas mal traçadas em uma página na internet. Ah, mas isso vai...

Falta que eu te expurgo :








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domingo, julho 18, 2004

 

A maior de todas as generosidades
 

Festa de casamento. Não existe, nem há de existir, um evento humano com maior generosidade do que oferecer um casamento festivo aos conhecidos. Entre tantas coisas, o homem é generoso. Quando se casa, paga uma fortuna para encher a pança de amigos, inimigos, desconhecidos, penetras. Inimigos, sim, porque um colega do nubente sempre será amigo de um inimigo do nubente. E ninguém vai a um casamento para estar desacompanhado – por pior que seja a companhia. Por isso, coloca-se mais um convite em circulação. Para chegar, de modo inevitável, à mão de um desafeto.

Em vez de fazer uma viagem a um lugar paradisíaco deste mundo, prefere dar do bom e do melhor ao inimigo. A contradição – em vez de sacramentar o amor que diz sentir pelo outro, numa paisagem divina e lírica, prefere fazer o inimigo arrotar de satisfação. Os recém-casados vão encher a boca que vai falar mal deles. Ninguém está preocupado em se emocionar com o enlace amoroso, agora legal e religioso. Está preocupado em criticar o vestido da noiva. A bebedeira do pai do noivo. Em reparar em tal ou qual vestido brega. A não ser os amigos de verdade, que são poucos – dá para reuni-los numa única mesa.

Casar é uma generosidade. A pessoa se rende ao convencionalismo de prometer fidelidade e assinar o contrato de propriedade segundo o qual nada pode ser feito sem a consulta do parceiro. (Como se o parceiro pudesse impedir, toda vez, que as maldades e bondades nascessem e crescessem nesta vida).

Esse impulso para o conservadorismo guarda um belo sentimento – a generosidade. Se você quiser xingar alguém, você deve chamá-lo de conservador. Com muita raiva, de reacionário. Para que achincalhá-lo de filho-da-puta? É a mãe, não é ele mesmo! Mal sabem as almas progressistas que, por trás do apego ao que é imposto pela sociedade como a forma mais saudável e bela para se viver amorosamente com alguém até o fim da vida, está um sentimento puríssimo de altruísmo. O altruísmo que exige submissão total.

Todos sabem que o ódio existe porque existe o amor para contrastar-lhe, para definir-lhe os limites. Um existe na proporção do outro. São almas gêmeas. Pois é no casamento que essa dualidade inelutável e irreversível se faz mais marcante e nítida. Se o homem aceita encher de canapés e bebidinhas o inimigo, ele aceita trocar o ódio pelo amor. Se o homem aceita juntar-se com quem lhe vai tolher a liberdade para a vida toda, até que o divórcio ou a morte os separe, está trocando o ódio ao fato de estar preso pelo amor. Pois se o homem não ama, ele tem que odiar. Não existe alternativa possível. O padre e o pessoal do cartório deviam alertar os noivos para isso. Se foram generosos para dar uma festa de casamento, vai ser muito fácil dividir o leito até o último suspiro de vida.

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sexta-feira, julho 16, 2004

 
Dormir pra quê?

Não sei para quê as pessoas insistem em dormir tanto. O Pastor Dedini já cansou de dizer que isso é um sacrilégio, além de uma baita sacanagem com "Aquele Cara", como diz nosso mentor, que botou a gente pra trabalhar feito uma cambada de cornos, e não para vagabundear mais de cinco ou seis horas em uma cama.

Deve ser essa a percepção dessas pessoas sobre ser bom de cama. Mal sabem eles que, quanto mais tempo se passa acordado, maiores são as chances de se conhecer alguém, biblicamente falando. Ou seria possível fazer isso dormindo? Pescando preguiçosamente dentro de um ônibus sacolejante? Claro que não!

Por isso, a solução é fazer igualzinho ao Bahrein: lei para que se durma 1/4 do dia, caso doente, e não mais do que cinco para os demais civis. Quem não cumprir, tem a vergonha anunciada pela incansável Polícia do Sono e tem sua imagem veiculada na Al Jazeera. Ou a infâmia ou o triunfo da vontade! De ficar acordado...

Com isso, a vadiagem diminui, os bahrenitas têm sua força de trabalho potencializada por conta da repressão o desejo sexual - que só é utilizado nos momentos mais fecundos - e amplia a interação dos indivíduos na sociedade. Pra quê mais?

Com isso, a conclusão pode ser uma só: longa vida à jornada dupla de trabalho e que se foda o maldito ócio criativo do morto do Aristóteles, indevidamente copiado por aquele gordo do Domenico de Masi!

Falta que eu te expurgo :

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domingo, julho 11, 2004

 
A dádiva da ignorância


Não há maior dádiva do que a ignorância. Ela faz apreensões mais justificáveis, constrói amores mais puros, permite atitudes mais humanizadoras. Até os ódios, rudes, são todos absolutamente honestos.

Como não se afeiçoar a tamanha clareza de espírito? Como desdenhar da franqueza quase pornográfica, que tanto faz os adultos invejarem aqueles que ainda vivem sua infância?

É justo que todas essas digníssimas nuances sejam um resultado da negação do saber, o qual é, inexoravelmente, inatingível. Deve-se, por isso, aceitar as limitações sem excesso de questionamento e viver consigo mesmo enquanto é tempo, oras.

Vá lá alguns amigos, ruas, casas, amores, ilusões, provas, cabelos, jornais, familiares e penduricalhos de vez em quando - desde que não implique sofrimento pessoal, é importante dizer.

Por isso, exaltemo-na! Como é singela, bela e arrasadora a estupidez humana! Que olhos encantadores, únicos, tem ela ao olhar de forma nua. De sugerir um mergulho na obscuridade... no auto-centramento...

Glóbulos que fascinam e que nada escondem, senão a visão daqueles que neles creem com fervor - por sua honestidade despretensiosa.

É assim que a mais grave das agressões se transforma em um nada ofensivo olvido. Um simples descuido. Uma pequena impropriedade.

É dessa forma que angustiados - como eu e mais uns três ou quatro - têm sua oportunidade de serem devidamente tapeados. De sentirem quão fútil é sua ansiedade por conta de um desnecessário acúmulo de informação. Afinal, para quê se excluir de um sono profundo no próprio ser?

Por que deixar um sono de onde poderiam derivar elocubrações, elogios, censuras e escárnios... de onde surgiria a gutural troca de afagos de bravos homens, mulher, jovens, velhos e adolescentes que tornam perene sua individualidade, acima de todas as coisas?

Por isso, que seja exaltada essa uma celebração desdenhosa! Afinal, nada importa o fato de ela não ter qualquer valor que não tenha sido meramente atribuído por aqueles que, diariamente, acreditam na dádiva de ignorar por duvidarem a possibilidade de existir.


Falta que eu te expurgo :

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