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terça-feira, fevereiro 14, 2006

 
Tão longe e tão longe

"Jardim Peri? Só sei que fica depois do Parque Novo Mundo", diz o taxista.

"E onde fica o Parque Novo Mundo?", pergunto.

"É lá pelos lados do Jardim Japão."

"E onde fica isso?"

"A uns 15 minutos da Vila Maria, que fica a 20 minutos de Santana."

O posto de saúde era rudimentar, cercado de favela por todos os lados. Ficava na parte mais íngreme da Avenida Nossa Senhora Aparecida. A própria não parece ter aparecido por lá.

Com pouco atraso, chega o careca por quem uma pequena multidão esperava naquele início de tarde. Nunca esteve ali antes, ele se denuncia no discurso.

Ameaça posar para as câmaras, mas parece ter nascido sem esse talento. Rompe por um gramado ralo, com pressa, e entra no pequeno hospital. Ao redor dele, vai um séquito de gente cinza e blasé, acostumada às sutilezas e à insensibilidade do poder.

O careca diz olá aos médicos e faxineiros e pára em uma sala onde há quitutes feitos em uma padaria do centro -- logo se vê pela embalagem. Comer ao lado dele não é permitido para todos. Ainda menos para a multidão que o recebeu, em especial os menores, que resolvem subir nas grades das janelas e observar a pajelança.

No Jardim Peri não se fazem petit-fours como aqueles que a gurizada olhava. Uma visita à Remar Lanches, diante do posto, deixava isso claro: pão de água, bisnagas com coberturas irreconhecíveis e roscas de torresmo são as vedetes mais bem afeiçoadas do balcão. Nada de brioches nem croissants.

A visão daqueles pequenos biscoitos -- os sanduíches de metro somem rapidamente -- fez com que alguns dos menores colados às grades tentassem entrar sorrateiramente. Outros preferiam protestar batendo à porta.

Mas foi apenas depois de meia hora, quando o careca já tinha ido embora, que uma médica decidiu levar a eles uma bandeja com cerca de 200 dessas iguarias. Havia aproximadamente 80 crianças. Os idosos, eram mais de 100 deles, teriam de esperar outra oportunidade para o simples deleite que, talvez, já tenham tido.

Os pequenos são organizados em filas. Cada um recebe dois petit-fours; um doce e outro salgado. Alguns conseguem também beber um copo de refrigerante.

Na sala onde estavam as guloseimas ninguém dava pela falta delas: ainda havia de sobra. Tampouco as pessoas se importavam com o ritual da alimentação das crianças. Tinham matérias a escrever, doentes a curar e amigos a indicar.

O séquito do careca só passou a se incomodar quando os pequenos escracharam sua alegria e a sua fome. Pediam alto. Dali em diante, quase ninguém daquela sala conseguiu ouvir música -- tocava o fim de Aquele Abraço, de Gilberto Gil -- nem comer tranquilamente.

"Queremos mais! Queremos mais! Queremos mais!", gritava a molecada, cuja empolgação tornava quase inaudível o som de All You Need is Love, dos Beatles, que tocava no rádio. Tudo inútil.

Em dois minutos acabaram os últimos petit-fours. O séquito foi embora pouco depois, em busca de almoço em algum lugar mais aconchegante no eixo Morumbi-Paulista-Higienópolis. As crianças, os velhos, os adultos, os pretos, os brancos, os retirantes e os bolivianos do Jardim Peri ficarão por lá. Indefinidamente.

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sábado, fevereiro 04, 2006

 
Dedinianas

Como não tenho nada a dizer e o risco de este espaço desaparecer devido ao ócio já é razoável, transcrevo citações importantes do Pastor Ronaldo Dedini após receber inúmeros e-mails questionando a veracidade e a utilidade dos ensinamentos dele.

Depois dessa aula de espiritualidade elevada e sagacidade acima da média, espero que o idiota que lotou minha caixa e-mails chamando-o de "Gabriel Chalita do Bahrein" e "Davi Miranda sem sotaque" lave a boca com sapólio, o que a mãe dele já faz com muita eficiência no fim de longas e populares sessões de felação.

"Existe mais entre o céu e a Terra do que julga a vã teologia de vocês", disse ele após sua última reunião dos 318 pastores, marcando o cisma entre as religiões convencionais e o humanismo-espirituoso.

"Ressentimento é um veneno que tomamos esperando que morram mouros" , em discurso às margens do Titicaca ao comentar sobre a obra de Italo Calvino, o calvinismo e o pan-arabismo.

"O mundo todo é um púlpito, todos os homens e mulheres são apenas palpiteiros", justificando sua superioridade assexuada e inequívoca ao pé do Monte Sinai.

"Existe algo de pronto no Reino da Dinamarca", Dedini sorri ao falar sobre a expansão do humanismo-espirituoso para regiões da Escandinávia.

"Fragilidade, teu nome é Bahrein!", ao decidir onde passaria o resto dos seus dias.

"Ser ou não ser, eis a dúvida", o pastor traduz o dilema fundamental da vida com uma letra a menos.

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