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quarta-feira, novembro 23, 2005

 
Escrever é feio

Calemos nossas mãos. Manter a tinta dentro da caneta, evitar esse ato pornográfico que é escrever. Redigir é desnudar-se em cada palavra e em cada idéia, por mais fútil e equivocada que ela seja. É insistir na crença de que deveríamos ser ouvidos, de que pensamos sobre algo que vale a pena conhecer.

Mas eu, cético que sou, digo com absoluta convicção – é profunda parvoíce tentar falar aos outros por meio da escrita, acredite em mim. Não importa se é jornal, livro, revista ou artigo: são todos uma grande perda de tempo de quem lê e de quem escreve.

Quando vejo aqueles apaixonados por suas idéias, pobres coitados distantes de si mesmos, lembro-me de um arcebispo carioca dos anos 60, amigo dos militares: “Punir aqueles que dizem besteiras é um ato de misericórdia”.

E é mesmo, como era sensato esse santo homem! Por isso, deveria ter condenado todos a continuar dizendo, acreditando e escrevendo. Qual pena é maior do que a de fazê-los sacar das mangas pelo resto da vida novos argumentos, descrições, pensamentos e artifícios de retórica?

O silêncio é necessário. Não façamos mais blogs. Não escrevamos mais jornais. Não imprimamos mais Bíblias. Não redijamos mais manifestos. Não enviemos mais cartas. Não aleguemos que compramos Playboy para ler os artigos. Chega.

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Pelo jeito eu não fui convincente o bastante, não é verdade? Mas quanta incompetência da sua parte! Tanta clareza para cobrar silêncio você não vai ver tão cedo, pode ter certeza. Francamente.

Eu fico aqui escrevendo e escrevendo e ainda não acredita que não vale a pena ficar brigando para ser ouvido, certo? Então vou dar um bom exemplo disso: o coronel Erasmo Dias - coitado de Deus quando ele chegar.

Censurou aqueles playboyzinhos maconheiros da PUC há algumas décadas, com um monte de jornalista e gente das letras no meio. Teve de meter o pé naquela bodega porque os estudantes tinham escrito panfletos, jornais, faixas e adereços de todo o tipo. Queriam porque queriam gritar contra o poder, como se alguém em Brasília, veja só o que acharam os moleques, fizesse questão de ouvi-los.

Nada disso teria feito diferença se eles não tivessem interrompido o trânsito para distribuir propaganda aos motoristas. O abuso do direito de dizer, com origem na disposição deles em escrever, restringia o direito dos demais a voltar para casa!

Violência! Para denunciar a tortura nos porões da ditadura, o que eles me fazem? Atrapalham os carros! Por culpa desse diabo que é a escrita, o honrado militar teve de coibir com energia a esbórnia que dominava no local. Como poderia ser diferente?

De forma pia e eficiente, o coronel poupou alguns estudantes de entrarem e morrerem na luta armada. Nunca agradeceram a ele. Boa parte deles aprendeu e ficou em silêncio depois da lição. Os outros saíram por aí, todos gauche na vida. Podiam ter desencarnado pela traquinagem de escrever e dizer demais.

Não é um exagero o que eles fizeram? Convenci dessa vez que é inútil querer dizer demais?

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A realidade está cheia de tristeza e mazelas, tudo bem. Mas pergunto: para que trazê-las para o discurso, para um diário ato de escrever? Melhor que a alucinação, como diz o Belchior, seja apenas suportar o dia-a-dia. Não precisamos das letras para piorar.

Nós temos é de pensar mais longe, em algo que não nos cobre esse hábito nefasto da escrita. E é aí que entra o departamento de Recursos Humanos – já viu alguém que trabalha em um lugar desses se preocupar em registrar em texto todas as suas idéias sobre o mundo? Eu nunca vi.

Com o RH, até um executivo que não tem o perfil para a empresa consegue ser um funcionário bem-sucedido. Não é isso que todos queremos? Prefere isso ou gritar aquilo que entende sobre as coisas a pessoas que parecem não querer ouvir? Seja sincero.

Recursos Humanos: uma atividade que serve para fazer o homem crescer, agregando valores e superando deficiências. Deficiências como insistir em convencer os outros com as idéias em que acreditamos, de desejar escrever como se colocássemos no papel aquilo que temos na alma. Uma verdadeira prisão seria, isso sim.

Já disse que escrever é o mesmo que estimular pensamento crítico? E que isso faz muito mal? Pois é. Deixa a pessoa confusa e improdutiva. Para evitar isso, que se corte o mal pela raiz: desista de convencer os outros.

Veja, a sociedade globalizada valoriza as pessoas assertivas e pró-ativas, que agregam sempre mais valor, sem estimular desavenças e questionamentos infundados. Escrever faz parte disso. Vai dizer que não sabia?

Quantos e-mails controversos passaram pelas suas mãos nos últimos meses? Quantos bilhetes com desculpas em que você não botou fé? Quantos textos de jornal ou revista causaram desconforto por baterem naquilo que é tão caro a você e aos seus? Escrever é um ato subversivo e desnecessário.

A não ser quando passamos bilhetes para comunicar coisas simples, isso sim. Mas precisa mais do que isso? Não parece uma existência tolerável desse jeito? Por que você não entende que não vale a pena insistir em convencer as pessoas? Por que não se convence de que escrever é inútil? Será que não está claro?

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Talvez eu esteja me expressando mal hoje. O jeito é voltar outra hora e dizer tudo de novo, de outro jeito. Haja paciência.

Até logo.

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segunda-feira, novembro 07, 2005

 
Memórias de um terceiro-mundo

Incrível como brasileiro se espanta com a existência de outros povos. Parece que só acreditam em dois países: nos EUA, compostos pela Estátua da Liberdade e por um monte de parque temático, e na Argentina, onde tem aquele filho da puta do Maradona e o presidente da maior napa do planeta.

Se surgir gente fora do eixo Washington-Buenos Aires, tem de aproveitar e conhecer o mundo, sô! Chega de robá goiaba! Chega de guardar biscoito Tostines em lata de bolacha dinamarquesa! Chega de reutilizar copo de requeijão e de botar bombril na antena que no exterior num tem nada disso. Mas vão se lavar, bando de cabecinha colonizada!

Quando um estrangeiro pisa em solo tupiniquim, pode reparar, brotam por geração espontânea dezenas de companheiros de bar, propostas de trabalho e, principalmente, garotinhas enamoradas. Exceto se for um mano da Bolívia ou do Paraguai. Pra esses só tem trabalho escravo e versão tosca de Let it Be e Hey Jude pra tocar na Praça da Sé.

Tem de ter sotaque. Até porque brasileiro não desiste nunca de pensar pequeno, precisa estranhar pra gostar. Eu, assim como o internacional Pastor Dedini, inspirador do Arnaldo Antunes, não sou brasileiro e não sou estrangeiro – não sou de nenhum lugar. Por isso, olímpica indiferença pro lugar de onde as pessoas vêm.

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