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segunda-feira, maio 23, 2005

 
Pelo fim das vestes de palhaço

Não sei por que caralho não acabam logo com todos os palhaços travestidos. Acabar de uma vez. Tem tantos usando gravatas, vestidos longos, diante de televisões, sentados em bibliotecas, ao volante de veículos, transportados na boléia, recebendo voto, tomando posse, tantos, tantos desses figuras, que não há mais diversão nessa gente fantasiada. Eles ainda não entenderam que os melhores palhaços estão de cara limpa.

O triste é que só se deliciam com esse nectar do humor os restinhos de consciência que cada um desses Arrelias de si mesmos têm por dentro. Sabe aqueles tantinhos de noção que teimam em não morrer? Pois é. Eles rolam de rir. Ainda que não o façam alto o suficiente para escrachar ao mundo toda essa graça tão seriamente tragicômica. Essa graça quase acidental para aqueles que revolucionam dia-a-dia a arte de fazer rir. Isso é, quando o público descobre a piada.

Tem gente que anota na agenda o horário de se divertir, à la tamagochi. Gente que come na frente de pedinte, que se atrapalha com firmeza diante dos juízos fáceis, que se vende, gente que compra, que pede perdão, que perdoa. Tudo com absoluta destreza, sem nariz vermelho e mostrando sorriso no rosto.

Por isso, para quê picadeiros se temos escritórios, consultórios, redações, escolas, apartamentos, fábricas, garagens, lojas, palácios, Palácios e ruas? Quem é que precisa de goiabada? Quem é que precisa de marmelada? Já temos calmante, cerveja, cigarro, Corolla, cuica... O espetáculo já não tem hora para acabar. E os palhaços disputam com vigor uma vaga no centro do picadeiro. Eles não se importam se o público continuar faltando.

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sexta-feira, maio 13, 2005

 
Eine Kleine Wille zur Macht

Quem sou eu para concordar ou discordar de Nietzsche? A pequenez sobre a qual fala o filósofo que não era brasileiro nem estrangeiro é ainda mais reduzida para quem não está na comunidade histórica que vive por meio de livros, atos e discursos que perpassam a existência da nossa dita civilização.

E mesmo que assim fosse, como o é para Nietzsche, não faria muita diferença, estou certo disso. Nascemos todos postumamente. Apesar de um professor que dava aula na Faculdade Tancredo Neves – pêsames em dobro à família do falecido presidente --, ousar dizer em dez minutos de fala em uma palestra que discorda tanto de Kant como de Marx. Não deu tempo de ele se contrapor a Nietzsche. Paciência.

Fato é que o humor inerente à constatação de que somos pequenos, demasiado pequenos, tem efeito inverso sobre a forma como lidamos com nossos miúdos intelectos, originalidade, erário, conquistas e outras minudências.

Mal conhecemos as solas dos nossos pés. Mas para nos sentirmos maiores arrotamos a nossos pequenos mundinhos as soluções para a fome no mundo, a ética na política, a alta do petróleo, o bem, o bom e o belo.

Ainda levamos em conta, sensibilíssimos que somos, os momentos de reflexões complicadíssimas, de surtos de uma angústia visceral, irremediável. Sinal da profundidade das nossas almas, preferimos supor. Besteira pura.

Se a piedade não fosse um sentimento que deveria ter pena de si mesmo, reconheço que me pegaria com essa fraqueza ao lidar com aqueles que apenas lembram estar vivos quando sangram. Ou ainda os que encontram valor em si, reafirmando Platão, somente naquilo que lhe pode ser proporcionado pelos outros. Um reconhecimento outroísta.

Não é que eu seja uma exceção a isso. Mas a consciência de minha pequenice me impede de fechar os olhos para o que se faz parecer tão mais imponente e certo de sua importância. Eu vejo a sola dos seus sapatos. E lá, vejo o resto do mundo. Igualmente pequeno.

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quarta-feira, maio 04, 2005

 
A Life in the Day

Vira a chave do chuveiro que assim gasta mais, droga. Leva o agasalho. Bom dia. Bom dia. Pode deixar o portão encostado. Valeu. Passa o cartão de novo. Isso. Com licença? Dá licença? Obrigada, moço. Desculpe interromper a viagem de vocês, mas estou aqui para vender esse chocolate da Lacta. Um chocolate que, como vocês sabem, é de uma marca de qualidade garantida. (....) Oi. Esse babaca sempre fecha a porta, mas não começa a aula, sossega... Algum de vocês tem interesse em apresentar um desses temas ao longo do bimestre?... VOCÊS! Eu não vim aqui para aturar aluno blasé. Ou acompanham a aula aqui na frente ou se sintam convidados a saírem. Não, não vi ela não.

Ei! Não fala bom dia primeiro? Não, não está aqui. Já procurei. Tudo bem... Nada de novo. Pode deixar comigo. Por quê? Tudo bem. Tchau...

E aí, cara? Vamos tomar um café? (.......) Liguei pra pedir pra você chegar o quanto antes porque precisamos de gente por aqui, tudo bem? Até já... Estação Brigadeiro... Estação... estação... estação... estação... Estou sem troco pra dez, espera um pouco... Pode vir. Senhores passageiros, estou pedindo qualquer contribuição.... boa tarde senhores passageiros, estou aqui para vender essa deliciosa bala de goma... água, olha a água, olha a água, olha a água... vai descer no próximo também?... boa tarde. A carne é sem gordura, né? Mais alguma coisa?... Oi. Se já estiver acomodado aí faz essa da Argentina das treze e cinco... Oi. Se você não estiver ocupado, grava da televisão o que a ministra falar e transcreve, tudo bem?... Quer dizer que ela tá aqui do lado? Tem como você dar um pulinho lá?... é a sala do fundo à direita. Sim, ela ainda deve estar lá, no almoço. Água é aqui. Magina, não tem o que agradecer. Ainda não definimos isso, mas os contratos são algo vivo... (......................) já deu 8 horas, pode ir se quiser. Boa noite. Boa noite... rapaz, hoje isso tá parado! Teve foi acidente lá na frente... moço, agora desce do lado direito. De nada.... Oi, filhote. Dia normal. Eu faço janta e você me vai comer barra de cereal? Tenha a santa paciência.

Oie. Blá. Blá. Blá. Boa noite.

Até amanhã.

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