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sexta-feira, maio 21, 2004

 
OS ATORES ESTÃO NAS RUAS

Sobra-lhes a expressividade. A educação durante a curta vida os privou do verbo. Quem compensa a privação é o corpo, em elásticas e engraçadas atuações. E há quem pague caríssimo por um curso de teatro para ser um artista sofrível no palco. Lógico, não teve aula com os mestres. Eles estão nas esquinas, são os meninos de rua.

Os passantes tendem a correr dos mal vistos e vestidos garotos que perambulam por aí. Se prestassem mais atenção, veriam que, além de ameaçar a integridade dos burgueses apressados, os sem-família e casa têm a ensinar como usar o corpo como meio de expressão. Se lhes dessem aquelas altas pernas de pau para fazer propaganda de filtros de água, eles seriam os mais engraçados, graça que tanto aumenta na medida em que tiverem um gramofone e a cara pintada à palhaço. E como são sinceros – quando xingam e se exaltam estão a comportar-se como muita gente queria. Sinceridade comparável à da Kátia Nogueira de Mello. Além de tresloucada, a sinceridade de Kátia é desconcertante, apaixonante.

Os malandros do futuro, que vão povoar as telas de cinema, com filmes sobre presídio e favela, estão a tornar-se fetiche midiático. Carandiru, o filme, o livro, ou o documentário, nasceram todos nas ruas, nasceram na malandragem que solta o corpo, porque o verbo é pouco, embora muito expressivo e enfático. Uma palavra mal usada, nesse mundo, vale uma vida viva ou transformada em eterna, assim no inferno como no céu. E o motivo de tanto interesse é o jeito teatral que eles adquirem na rua, na dureza com os outros, com a vida, com a rejeição. O motivo para estar em pauta é a busca da verdade neste mundo de contrafações.

Carregar as gírias com gestos, caretas e sons se torna um espetáculo a céu aberto. E querem realizar a arte de avivar histórias em lugares fechados e pagos. Na calçada é que estão os professores. Aprendizes, lembrem-se de que ao sair da escolinha, ao sair do falso conforto do lar, vocês vão se deparar com a vida e tudo o que de roldão ela traz, o que nunca será pouca coisa para uma mente arguta.

Quando um passante perceber que lhe tungaram a carteira ou o querem assaltar, deve ele proceder de forma a fazer um trato. Já que é inevitável perder seus bens, exija-se em troca uma aulazinha de teatro. No mundo de corpos reprimidos, os ensinamentos dos malacos mirins seriam um infalível elixir. Que os outros tenham menos medo e mais atenção diante do espetáculo. Diante da cura.

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