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domingo, julho 18, 2004

 

A maior de todas as generosidades
 

Festa de casamento. Não existe, nem há de existir, um evento humano com maior generosidade do que oferecer um casamento festivo aos conhecidos. Entre tantas coisas, o homem é generoso. Quando se casa, paga uma fortuna para encher a pança de amigos, inimigos, desconhecidos, penetras. Inimigos, sim, porque um colega do nubente sempre será amigo de um inimigo do nubente. E ninguém vai a um casamento para estar desacompanhado – por pior que seja a companhia. Por isso, coloca-se mais um convite em circulação. Para chegar, de modo inevitável, à mão de um desafeto.

Em vez de fazer uma viagem a um lugar paradisíaco deste mundo, prefere dar do bom e do melhor ao inimigo. A contradição – em vez de sacramentar o amor que diz sentir pelo outro, numa paisagem divina e lírica, prefere fazer o inimigo arrotar de satisfação. Os recém-casados vão encher a boca que vai falar mal deles. Ninguém está preocupado em se emocionar com o enlace amoroso, agora legal e religioso. Está preocupado em criticar o vestido da noiva. A bebedeira do pai do noivo. Em reparar em tal ou qual vestido brega. A não ser os amigos de verdade, que são poucos – dá para reuni-los numa única mesa.

Casar é uma generosidade. A pessoa se rende ao convencionalismo de prometer fidelidade e assinar o contrato de propriedade segundo o qual nada pode ser feito sem a consulta do parceiro. (Como se o parceiro pudesse impedir, toda vez, que as maldades e bondades nascessem e crescessem nesta vida).

Esse impulso para o conservadorismo guarda um belo sentimento – a generosidade. Se você quiser xingar alguém, você deve chamá-lo de conservador. Com muita raiva, de reacionário. Para que achincalhá-lo de filho-da-puta? É a mãe, não é ele mesmo! Mal sabem as almas progressistas que, por trás do apego ao que é imposto pela sociedade como a forma mais saudável e bela para se viver amorosamente com alguém até o fim da vida, está um sentimento puríssimo de altruísmo. O altruísmo que exige submissão total.

Todos sabem que o ódio existe porque existe o amor para contrastar-lhe, para definir-lhe os limites. Um existe na proporção do outro. São almas gêmeas. Pois é no casamento que essa dualidade inelutável e irreversível se faz mais marcante e nítida. Se o homem aceita encher de canapés e bebidinhas o inimigo, ele aceita trocar o ódio pelo amor. Se o homem aceita juntar-se com quem lhe vai tolher a liberdade para a vida toda, até que o divórcio ou a morte os separe, está trocando o ódio ao fato de estar preso pelo amor. Pois se o homem não ama, ele tem que odiar. Não existe alternativa possível. O padre e o pessoal do cartório deviam alertar os noivos para isso. Se foram generosos para dar uma festa de casamento, vai ser muito fácil dividir o leito até o último suspiro de vida.

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