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domingo, agosto 08, 2004

 
Frieza de espírito

Um monte de risos no meio de uma sessão de Lawrence da Arábia. Afinal, são obviamente cômicos os efeitos que causam a morte de dezenas de pessoas na tela e a comoção tosca do Omar Sharif ao exaltar sua amizade com o condottieri inglês de forma certamente homossexual, pensa alguém na platéia.

E esse alguém assim pensa por saber da dose de ilusão que propaga o cinema. Se fosse de verdade, regurgita, não seria a mesma coisa: haveria Cidade Alerta e a já corriqueira sensação de notícia velha. A de não se estar assistindo a nada muito engraçado, a não ser que um comentário dos Afanásios Jazadjis do século 21 se sobressaiam e salvem esse fragmento tão sem sentido de uma realidade podre e, supõe-se, distante.

Vê-se aí o único tipo de desdém negativo, até porque dá vazão a quase tudo de que se desdenha neste espaço. Uma vez que o valor é meramente atribuído, assim como o desprezo, diminuir os sentimentos humanos, recalcá-los e pisar neles significa o mesmo que tornar natural a simples satisfação dos desejos mais animalescos. Ou preservar uma individualidade rústica e sem vivacidade. É reduzir o mundo para se ater aos detalhes e tomá-los como um inteiro.

Por vezes, essa mesma frieza de espírito vem no silêncio, em uma voz que é calada pelo medo de mostrar seu desejo de ser calorosa. E, em um arroubo de auto-preservação, justifica-se com a frustração de não saber o outro, sempre o outro, compreender, adivinhar razões, anseios, raivas. Todas das mais simples, é claro!

Mas a permanência nesse mundo frio, assim, se garante. A exaltação a cores desbotadas, palhaços sem graça e livros sem letras, também. O desdém pelos sentimentos humanos, demasiado humanos, expõe apenas uma faceta dura e, muitas vezes, falsamente sensível, porque auto-centrada e aparentemente reflexiva, observadora.

O que não dá para esconder é que essa postura não é nada além de medo à liberdade. Um tempo que impossibilita a existência de um desdém quente. Um desdém verdadeiramente humano. Do tipo que sabe aquecer o que deve ser aquecido, e esfriar aquilo que nunca deveria ter sentido calor.





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